É cada vez mais comum ouvirmos nos casos que envolvem segurados do INSS, o chamado limbo jurídico trabalhista-previdenciário. Do que se trata?
Trata-se de um termo utilizado no meio jurídico para designar o lapso temporal que ocorre quando o beneficiário de auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente recebe alta médica do perito do INSS para retornar ao seu trabalho, mas não do médico particular ou da empresa, que em muitos casos, entende que o empregado não está apto para retornar ao seu trabalho, por intermédio do atestado de saúde ocupacional (ASO).
Nesse sentido, o segurado não recebe o benefício previdenciário do INSS, tampouco o salário de seu empregado, vivendo no que denominados de limbo jurídico.
É importante ressaltar que o segurado que é empregado e que recebe benefício do INSS e está afastado de suas atividades, após a alta previdenciária do médico perito do INSS, deve se apresentar ao seu empregador informando de sua situação e colocar-se a disposição para realizar as suas atividades. Acontece que, se o empregado não se apresentar no seu local de serviço dentro de 30 dias após a alta do INSS e nem justificar a sua ausência ao empregador, ele pode ser demitido por justa causa.
Vale destacar, ainda, que em diversos casos concretos, é muito comum visualizarmos empregadores agirem de má-fé e demitir o empregado por justa causa, alegando que ele não se apresentou ou justificou sua ausência dentro do prazo de 30 dias após a alta previdenciária. Aliás, o empregador que não admite a volta do empregado ao seu posto de trabalho, comete ato ilícito, podendo até mesmo ser responsabilizado por danos morais.
Em razão disso, é essencial que o empregado guarde todos os documentos relativos à sua alta do INSS, bem como à sua apresentação ao empregador dentro do prazo, para que possua provas se for preciso ajuizar uma ação trabalhista.
Inclusive, a Súmula nº 32 do C. TST, in verbis, trata das situações em que o empregado não retorna ao seu trabalho após a alta previdenciária ou não justifica o motivo pelo qual está impossibilitado de retornar, presumindo-se assim, o abandono de emprego disposto no Art. 482, alínea “i” da CLT, abaixo colacionado:
“Súmula 32 – Abandono de emprego:
Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.”
“Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
(...)
i) abandono de emprego;”
Nos casos em que houver a alta médica do segurado pelo médico do INSS e atestado de saúde ocupacional (ASO) do médico do trabalho declarando inaptidão a mesmo, este deve procurar advogados especialistas nas áreas trabalhista e previdenciária para ajustar a situação. No caso, pode ser feito pelo advogado um recurso administrativo perante a autarquia federal – INSS, a fim de reverter o cancelamento do recebimento do benefício pelo segurado ou então, ajuizar uma ação previdenciária requerendo, o restabelecimento do benefício que fora cessado. Do mesmo modo como existe, ainda, a possibilidade de o patrono do segurado ajuizar uma reclamatória trabalhista para que ele seja reconduzido ao seu emprego.
Ademais, destaca-se aqui a hierarquia existente entre os laudos médicos, quanto às suas origens, conforme previsão da Art. 6º, § 2º, da Lei nº 605/1949, a seguir disposta:
1º) laudo médico assinado pelo médico do INSS;
2º) laudo médico assinado pelo médico do trabalho;
3º) laudo médico assinado pelo médico do SUS;
4º) laudo médico assinado pelo médico particular do segurado.
No mesmo sentido, informa-se a Súmula nº 15 do C. TST, a qual dispõe que essa ordem preferencial dos atestados ou laudos médicos deve ser respeitada para fins de justificação da ausência do empregado motivada por doença. Além disso, o posicionamento do TST é no sentido de que o laudo médico do INSS prevalece em relação aos demais.
Em ato contínuo de análise do tema, no que concerne ao pagamento do salário do empregado nos casos em que resta caracterizado o limbo previdenciário, o entendimento jurisprudencial adotado pelos tribunais, como por exemplo, o TRT da 1ª Região, bem como pela TNU e pelo TST, é de quem deve pagar o salário é o empregador, conforme colacionado abaixo:
LIMBO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. A negativa do reclamado em efetuar o pagamento dos salários, mesmo ciente de que o benefício previdenciário não teve continuidade, demonstra a inércia do empregador, causando dano ao empregado. De se notar que o indeferimento da continuidade do pagamento de auxílio-doença previdenciário pelo INSS mantém a vigência das obrigações inerentes ao liame empregatício, não deixando o ordenamento jurídico o reconhecimento de tal circunstância ao livre arbítrio do empregador. Não pode o empregador ficar na cômoda situação de recusa em dar trabalho, e carrear aos ombros do empregado uma situação de limbo previdenciário, que fica à própria sorte, sem receber salários e tampouco beneficio previdenciário. Tal conduta não se coaduna com os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (art. 1º, III e IV, CF). Observa-se, ainda, o princípio da função social do contrato, previsto no art. 421, do CCB, assim como o art. 2º, da CLT, segundo o qual o empregador assume os riscos do contrato. Ademais, ressalta-se que a responsabilidade do empregador em pagar os salários devidos aos seus empregados independe do nexo de causalidade da doença adquirida pelo trabalhador, surgindo seu dever de pagar as verbas contratuais simplesmente em razão da alta médica concedida pelo INSS, independentemente da efetiva utilização da mão de obra do empregado. Se optou pela manutenção do vínculo de emprego sem a exigência de labor pelo empregado, subsiste o dever de cumprir todas as suas obrigações decorrentes do contrato, dentre elas a de pagar os salários.
(TRT-2 10009148920215020047 SP, Relator: IVETE BERNARDES VIEIRA DE SOUZA, 18ª Turma - Cadeira 2, Data de Publicação: 08/02/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA REGIDO PELA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. LIMBO PREVIDENCIÁRIO E TRABALHISTA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELO PAGAMENTO DE SALÁRIOS. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a recusa do empregador em aceitar o retorno do empregado após a alta previdenciária, em razão de considerá-lo inapto ao trabalho, não afasta o dever de pagamento dos salários correspondentes, pois, diante da presunção de veracidade do ato administrativo do INSS que atesta a aptidão do empregado para o labor, cessando o benefício previdenciário, cabe ao empregador receber o obreiro, realocando-o em atividades compatíveis com sua limitação funcional, até eventual revisão da decisão tomada pelo órgão previdenciário. Com efeito, nos termos do art. 476 da CLT, encerrado o afastamento, não subsiste o fato gerador da suspensão do contrato de trabalho, retomando-se as obrigações contratuais, inclusive o pagamento salarial. Agravo de instrumento não provido.
(TST - AIRR: 13753820185090872, Relator: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 19/05/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: 21/05/2021)
Por último, menciona-se o Tema 300 da TNU, em que foi posta em discussão a matéria acerca da manutenção do segurado do RGPS no período de limbo previdenciário, em que o médico do INSS concede um laudo médico dizendo estar apto o segurado ao retorno de seu trabalho, mas o empregador não, impedindo a reintegração do vínculo de emprego.
Em um primeiro momento, entendeu-se que é necessária a manutenção da qualidade de segurado durante o limbo previdenciário, devendo o empregador realizar o pagamento da remuneração do empregado. Já na decisão paradigma, tencionou que, após a cessação do benefício previdenciário de incapacidade, e mesmo diante da recusa do empregador em observar o que dispôs o laudo pericial do INSS, começa a contagem do período de graça, conforme art. 15, II, da Lei n. 8.213/1991.
No entanto, o relator se posicionou no mesmo sentido do que o TST vem se posicionando majoritariamente em seus casos, fixando-se a seguinte tese: “Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei nº 8.213/1991.”
Cita-se abaixo, por oportuno, a ementa:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. PREVIDENCIÁRIO. EFEITOS JURÍDICO-PREVIDENCIÁRIOS DA NEGATIVA DO EMPREGADOR EM PERMITIR O RETORNO AO TRABALHO DO SEGURADO APÓS A CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. AFETAÇÃO EM REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRISA DO TEMA: COMO É CONTADO O PERÍODO DE GRAÇA DO ART. 15, II, DA LEI N.º 8.213/91, QUANDO O EMPREGADOR NÃO AUTORIZA O RETORNO DO SEGURADO AO TRABALHO POR CONSIDERÁ-LO INCAPACITADO, MESMO APÓS A CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE PELO INSS? INCIDENTE CONHECIDO E AFETADO COMO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
(TNU - Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma): 05130308820204058400, Relator: GUSTAVO MELO BARBOSA, Data de Julgamento: 10/02/2022, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Data de Publicação: 15/02/2022)
Em resumo, foram adotados os seguintes entendimentos em seu julgamento:
1º) Nas situações em que o empregador não permitir o empregado de retornar às suas funções, por estar incapaz na visão da empresa, com a cessação do benefício pago pelo INSS, permanece a qualidade de segurado até o efetivo encerramento do seu vínculo empregatício;
2º) Ocorrendo a rescisão contratual, a partir de então começa a contar o prazo do período de graça de 12 meses, nos moldes do art. 15, II, da Lei 8.213/91, prorrogável por mais 12 meses (se já houver recolhido mais de 120 contribuições sem perda da qualidade de segurado ou se comprovar o desemprego) ou mais 24 meses (se já houver recolhido mais de 120 contribuições sem perda da qualidade de segurado e comprovar o desemprego).
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