Negativa de vacinação pode gerar demissão por justa causa?
De acordo com guia interno elaborado pelo MPT – Ministério Público do Trabalho que orienta a dispensar por justa causa na hipótese de recusa do empregado em tomar a vacina contra a COVID-19. O entendimento do órgão é que a recusa individual à imunização não pode pôr em risco a saúde dos demais empregados.
A discussão já estava sendo travada no meio jurídico antes mesmo da edição da cartilha pelo MPT, principalmente, após decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, no ano passado, que decidiu que o Estado e o Municípios podem impor sanções aos cidadãos que se recusarem a vacinar contra doenças infecciosas, a COVID-19 inclusive.
A cartilha que será disponibilizada no site do MPT é para que as empresas conscientizem seus trabalhadores e negociem com eles avaliando caso a caso as opções para o enfrentamento do contágio pelo Coronavírus, com adequação ao trabalho em home office, por exemplo. Mas que o entendimento do órgão é no sentido de que a vacinação é uma proteção coletiva, e não individual, devendo se sobrepor aquele sobre este.
O MPT sempre se pautou para a proteção das relações do trabalho e, nesse caso, importa ponderar como o fez o Procurador-Geral do MPT, Alberto Balazeiro que declarou ao Jornal Estado de São Paulo: “A orientação do MPT é para que as demissões ocorram apenas como última opção depois de tentativas de convencimento por parte do empregador.”
Dessa forma, a literatura jurídica, através de seus operadores, vem consolidando o entendimento em conclusão que a recusa à vacinação gera justa causa parte de uma premissa equivocada, visto que o que gera uma justa causa é um ato faltoso injustificado, que pode ser enquadrado dentro dos incisos do art. 482 da CLT.
Assim deve-se analisar os efeitos da recusa da vacinação para se dizer se realmente pode ser considerado ou não um ato faltoso.
Como fundamentação legal, em interpretação extensiva para as relações de emprego, a Lei 13.979 de 2020 que autorizou que União, Estados, Municípios e Distrito Federal que determinasse a vacinação compulsória (no limite de suas competências), como medida de prevenção ao contágio do COVID 19.
Além disso, como já mencionado em decisão recente pelo STF, ADI´s 6586 e 6587 que enfrentaram a questão da compulsoriedade tratada na referida lei, decidindo, ao final, que tal dispositivo é constitucional.
Mas vale a pena ressaltar que compulsoriedade não se confunde com vacinação forçada: a vacinação compulsória está condicionada ao consentimento do usuário e, de acordo com o STF, ela pode ser implementada por medidas indiretas (restrição de exercício de atividades, restrição a frequência em determinados lugares, restrição de viagens, etc).
Dessa forma, fica claro que o posicionamento do STF rejeita de plano a recusa injustificada à vacinação e não reconhece como justificativa as crenças religiosas ou filosóficas.
A compulsoriedade pode ser exigida quando prevista em lei de acordo com o princípio da legalidade.
Entretanto, alinhando-nos com o MPT e STF, entendemos que, já há um arcabouço jurídico protetivo das relações trabalhistas, dispositivos legais suficientes para que se reconheça o direito-dever do trabalhador, de se submeter a vacinação, quando esta estiver disponível. (discussão antecipada, visto que atualmente, a vacina está disponível somente aos trabalhadores da área da saúde).
A CRFB 88 prevê que é direito social constitucional do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho. Assim, em decorrência deste direito, surge o dever do empregador de manter total zelo pelas condições sanitárias do trabalho.
Ou seja, é obrigação do empregador adotar todas as medidas de precaução e prevenção, para evitar o adoecimento. Fato que ocorre quando o empregador adota e implementa as normas de saúde e segurança do trabalho no seu estabelecimento.
Nessa esteira, a partir do momento que foi declarada a transmissão comunitária do vírus da COVID 19, ele passou a ser um agente biológico nocivo à saúde dos trabalhadores, presente em todos os ambientes de trabalho.
Se ele é nocivo à saúde e está presente no ambiente de trabalho, este novo risco biológico tem que ser previsto no PPRA NR9 (PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE RISCOS AMBIENTAIS).
A partir disso, o PCMSO NR7 (PROGRAMA DE CONTROLE MÉDICO E SAÚDE OCUPACIONAL), que tem como finalidade promover o monitoramento e a preservação da saúde dos trabalhadores, vai dispor sobre medidas para proteger o trabalhador desses riscos, e, assim, fazer o controle da saúde ocupacional.
Em suma: com base nos riscos identificados no PPRA, o PCMSO deve prever medidas profiláticas para a contenção da disseminação do vírus.
É sabido pelos estudos científicos, que a vacina é a única medida profilática que realmente tem eficácia para promover a imunização, principalmente no que diz respeito ao caso da COVID 19, sempre lembrando que a vacinação não afasta a adoção de medidas administrativas, medidas de engenharia do trabalho – instalação de proteção - afastamento social, uso de máscaras etc., porque sempre vai haver pessoas que não vão poder tomar a vacina.
Há exemplos que comprovam que a questão da vacinação já existia antes da COVID 19:
A NR 31 já havia previsão de vacinação, como no caso da vacina antitetânica para os trabalhadores rurais. A NR 32 que trata de saúde, segurança e trabalho em serviços de saúde, dispõe que o programa de vacinação deve estar dentro do PCMSO.
O que se entende disso, é que para os trabalhadores rurais e os trabalhadores da área da saúde, não há nenhuma dúvida de que existe norma expressa prevendo compulsoriedade da vacinação em face desses riscos biológicos.
As leis que vieram enfrentar a pandemia da COVID 19 possuem como princípio o dever de contenção coletiva da pandemia, aumentando a imunização de uma parcela da população de forma significativa, diminuindo a transmissibilidade e a incidência de infecção.
Em síntese, com a pandemia que vem sendo enfrentada, se todos os trabalhadores estão expostos a esse novo risco, porque ele está em todos os ambientes de trabalho, onde há uma coletividade/circulação de pessoas, a conclusão é que a vacinação é sim compulsória para todos, cabendo ao poder público, assim como aos empregadores, adotar todas as medidas necessárias para a contenção individual e coletiva daquela enfermidade.
Em recente decisão uma funcionária de hospital em São Paulo recebeu justa causa por recusar vacina da covid, haja vista que a trabalhadora não apresentou qualquer motivo médico que justificasse a falta de vacinação.
A Justiça do Trabalho de São Paulo validou a dispensa por justa causa de uma auxiliar de limpeza que se recusou a ser imunizada contra a covid-19. A decisão foi proferida na 2ª vara do Trabalho de São Caetano do Sul pela juíza Isabela Flaitt.
Portanto, não há um direito individual do trabalhador que supere a vacinação, porque, a vacina uma vez aprovada pelo órgão competente (ANVISA), estando no plano da vacinação e imunização é pressuposto para a imunização coletiva e medida profilática de saúde ocupacional (art. 8 da CLT – afirma que nenhum interesse de classe ou particular pode prevalecer sobre o interesse público).
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